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Revolta dos Búzios: “Animai-vos, ó, povo bahiense, que está por chegar o tempo feliz da nossa liberdade”

A Conjuração Baiana, também denominada como Revolta dos Alfaiates ou Revolta dos Búzios, foi um movimento de caráter emancipacionista, ou seja, deseja a completa independência em relação a Portugal, acabar com a escravidão e criar uma nova ordem social.

Aconteceu no século XVIII, na então Capitania da Bahia, no Estado do Brasil. Tem como data símbolo o dia 12 de agosto de 1798 e possuía um caráter popular com participação de muitos setores da sociedade.

Um movimento das proporções que tomaram a Conjuração Baiana claro que deve ser localizada diante do período histórico que ocorreu. As lutas que se desenvolviam na Europa em busca das mudanças dos regimes então existentes, a exemplo da Revolução Francesa e Outros, influenciaram e muito o movimento libertador no Brasil como por exemplo a Inconfidência Mineira. Outra influência sentida no movimento foi a independência dos Estados Unidos.

Diante desse cenário e com esse componente filosófico e político acontece na Bahia uma série de motins e ações extremadas dos setores mais pobres da população baiana, que em 1797 promoveu vários saques em estabelecimentos comerciais portugueses de Salvador.

Nessa conjuntura de crise, foi fundada em Salvador a “Academia dos Renascidos”, uma associação literária que discutia os ideais do iluminismo e os problemas sociais que afetavam a população. Essa associação tinha sido criada pela loja maçônica “Cavaleiros da Luz”, da qual participavam nomes ilustres da região, como o doutor Cipriano Barata e o professor Francisco Muniz Barreto, entre outros. A conspiração para o movimento, surgiu com as discussões promovidas por esta Academia e contou com a participação de pequenos comerciantes, soldados, artesãos, alfaiates, negros libertos e mulatos, caracterizando-se assim, como um dos primeiros movimentos populares da História do Brasil.

As discussões na “Academia dos Renascidos” resultarão na Conjuração Baiana em 1798. A participação popular e o objetivo de emancipar a colônia e abolir a escravidão, marcam uma diferença qualitativa desse movimento em relação à Inconfidência Mineira, que marcada por uma composição social mais elitista, não se posicionou formalmente em relação ao escravismo.

O movimento revolucionário baiano de 1798, também conhecido como a Revolta dos Alfaiates ou Revolta dos Búzios, é um dos mais amplos, do ponto de vista político, econômico e social ocorridos no Brasil Colônia. Nenhum movimento político no Brasil possuíra um programa tão amplo, com penetração tão profunda nas classes e camadas sociais, quanto este.

Participação popular

Com fundamental participação de escravos e seus descendentes, pretos e pardos, soldados, pequenos comerciantes, artesãos – com um grande número de alfaiates – o movimento discutia os caminhos para o Brasil livre da tutela portuguesa, tornando-se uma república democrática, na qual a cor da pele não fosse razão para discriminação. Entre as lideranças do movimento, destacaram-se os alfaiates João de Deus do Nascimento e Manuel Faustino dos Santos Lira (este com apenas 18 anos de idade), além dos soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga das Virgens, todos mulatos. Outro destaque desse movimento foi a participação de mulheres negras, como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento, Luiza Francisca de Araújo, Lucrecia Maria Gercent e Vicência.

Em agosto de 1798 começam a aparecer nas portas de igrejas e casas da Bahia, panfletos que pregavam um levante geral e a instalação de um governo democrático, livre e independente do poder metropolitano. Em 12 de agosto de 1798, os conspiradores colocaram nos muros da cidade papéis manuscritos chamando a população à luta e proclamando ideias de liberdade, igualdade, fraternidade e República: “Animai-vos ó povo bahiense que está por chegar o tempo mais feliz da nossa liberdade: tempo em que todos nós seremos iguais, o tempo para a vossa ressurreição sim, para que ressuscitem do abismo da escravidão para levantares a sagrada bandeira da liberdade”. Com esses dizeres em panfletos colados nos postes, nas portas das lojas, nas casas e nas igrejas, começaria aí a maior revolução urbana negra e popular do Brasil.

Repressão ao movimento

Uma terrível repressão tomou conta da Cidade do Salvador. A repressão ao movimento foi das mais violentas, com a execução de quatro revolucionários baianos, enforcados na Praça da Piedade. Esse fato permanece na memória da população hoje quando vemos no local em que eles foram enforcados, o busto dos quatro heróis que morreram pela independência e construção de uma sociedade igualitária e sem escravidão.

A violenta repressão metropolitana conseguiu deter o movimento, que apenas iniciava-se, detendo e torturando os primeiros suspeitos. Governava a Bahia nessa época (1788-1801) D. Fernando José de Portugal e Castro, que encarregou o coronel Alexandre Teotônio de Souza de surpreender os revoltosos.

Os principais líderes foram presos e o movimento, que não chegou a se concretizar, foi totalmente desarticulado. Após o processo de julgamento, os mais pobres como Manuel Faustino dos Santos Lira e João de Deus do Nascimento e os mulatos Luiz Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas foram condenados à morte por enforcamento, sendo executados na Praça da Piedade a 8 de novembro de 1799.

Outros, como Cipriano Barata, o tenente Hermógenes d’Aguilar e o professor Francisco Moniz foram absolvidos. Os pobres Inácio da Silva Pimentel, Romão Pinheiro, José Félix, Inácio Pires, Manuel José e Luiz de França Pires, foram acusados de envolvimento “grave”, recebendo pena de prisão perpétua ou degredo na África. Já os elementos pertencentes à loja maçônica “Cavaleiros da Luz” foram absolvidos deixando clara que a pena pela condenação, correspondia à condição socioeconômica e à origem racial dos condenados.

A extrema dureza na condenação aos mais pobres, que eram negros e mulatos, é atribuída ao temor de que se repetissem no Brasil as rebeliões de negros e mulatos que, na mesma época, atingiam as Antilhas. Todos os enforcados eram pardos, jovens, sendo dois soldados e dois alfaiates. Os heróis e mártires da Revolução foram: Manuel Faustino dos Santos Lira, pardo, forro, alfaiate, 18 anos; Lucas Dantas de Amorim Torres, pardo, liberto, soldado e marceneiro, 24 anos; João de Deus do Nascimento, pardo, livre, alfaiate, 27 anos; Luiz Gonzaga, pardo, livre, soldado, 36 anos. O pardo, escravo, 32 anos, Luis Pires, escapou de ser preso. Seria enforcado.Também Pedro Leão de Aguillar Pantoja, branco, pequeno comerciante, que seria preso e degredado para a África. Muitos foram degredados para a África e Fernando de Noronha. Outros revolucionários tiveram penas de prisão e entre eles estão cinco mulheres: Luiza Francisca de Araújo, parda, 30 anos, mulher de João de Deus; Lucréia Maria Gercent, crioula, forra; Domingas Maria do Nascimento, parda, forra; Ana Romana Lopes, parda, forra; Vicência, crioula, forra. Houve 45 pessoas presas entre homens e mulheres, só nos três primeiros meses de repressão policial.

Influência da Conjuração Baiana

A Revolta dos Alfaiates, como vimos, foi fortemente influenciada pela fase popular da Revolução Francesa e seus importantes avanços sociais em benefício das camadas populares, como o sufrágio universal, ensino gratuito e abolição da escravidão nas colônias francesas. Essas conquistas, principalmente essa última influenciaram outros movimentos de independência na América Latina.

Destacamos aqui a Inconfidência de Mineira em seu sentido pioneiro, já que apesar de todos seus limites, foi o primeiro movimento social de caráter republicano em nossa história.

A Conjuração Baiana também é pioneira, por apresentar pela primeira vez em nossa história elementos das camadas populares articulados para conquista de uma república abolicionista. Contudo, completados 214 anos em 2012, segundo o historiador Luis Henrique Dias Tavares, em seu livro “História da Sedição Intentada na Bahia em 1798 – A Conspiração dos Alfaiates”, ainda não é um fato amplamente divulgado sendo, conforme analisamos, desconhecido do público e/ou ocultado pelas elites.

É fundamental popularizar as lutas sociais que tanto engrandecem o povo e o inspira na luta por uma sociedade de fato igualitária como desejaram e lutaram nossos ancestrais, inclusive das rebeliões ocorridas no século 19 e posteriores.

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